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terça-feira, 28 de setembro de 2010

BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL

BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL
A NOTÍCIA DO LANÇAMENTO NA INTERNET DA WDL, A BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL.
QUE PRESENTE DA UNESCO PARA A HUMANIDADE INTEIRA !!!

Já está disponível na Internet, através do site  
www.wdl.org

É uma notícia QUE NÃO SÓ VALE A PENA REENVIAR MAS SIM É UM DEVER
ÉTICO, FAZÊ-LO!

Reúne mapas, textos, fotos, gravações e filmes de todos os tempos e explica em sete idiomas as jóias e relíquias culturais de todas as bibliotecas do planeta.

Tem, sobretudo, caráter patrimonial" , antecipou em LA NACION Abdelaziz Abid, coordenador do projecto impulsionado pela UNESCO e outras 32 instituições. A BDM não oferecerá documentos correntes, a
não ser "com valor de  patrimônio, que permitirão apreciar e conhecer melhor as culturas do mundo em idiomas diferentes: árabe, chinês, inglês, francês, russo, espanhol e português. Mas há documentos em linha em mais de 50 idiomas".

Entre os documentos mais antigos há alguns códices precolombianos, graças à contribuição do México, e os primeiros mapas da América, desenhados por Diego Gutiérrez para o rei de Espanha em 1562", explicou Abid.

Os tesouros incluem o Hyakumanto darani , um documento em japonês publicado no ano 764 e considerado o primeiro texto impresso da história; um relato dos azetecas que constitui a primeira menção do Menino Jesus no Novo Mundo; trabalhos de cientistas árabes desvelando o mistério da álgebra; ossos utilizados como oráculos e esteiras chinesas; a Bíblia de Gutenberg; antigas fotos latino-americanas da
Biblioteca Nacional do Brasil e a célebre Bíblia do Diabo, do século XIII, da Biblioteca Nacional da Suécia.

Fácil de navegar:

Cada jóia da cultura universal aparece acompanhada de uma breve explicação do seu conteúdo e seu significado. Os documentos foram passados por scanners e incorporados no seu idioma original, mas as explicações aparecem em sete línguas, entre elas O PORTUGUÊS. A biblioteca começa com 1200 documentos, mas foi pensada para receber um número ilimitado de textos, gravados, mapas, fotografias e ilustrações.

Como se acede ao sítio global?

Embora seja apresentado oficialmente na sede da UNESCO, em Paris, a Biblioteca Digital Mundial já está disponível na Internet, através do sítio:


www.wdl.org

O acesso é gratuito e os usuários podem ingressar directamente pela Web , sem necessidade de se registrarem.

Permite ao internauta orientar a sua busca por épocas, zonas geográficas, tipo de documento e instituição. O sistema propõe as explicações em sete idiomas (árabe, chinês, inglês, francês, russo, espanhol e português), embora os originas existam na sua língua original.

Desse modo, é possível, por exemplo, estudar em detalhe o Evangelho de São Mateus traduzido em aleutiano pelo missionário russo Ioann Veniamiov, em 1840. Com um simples clique, podem-se passar as páginas um livro, aproximar ou afastar os textos e movê-los em todos os sentidos. A excelente definição das imagens permite uma leitura cômoda e minuciosa.

Entre as jóias que contem no momento a BDM está a Declaração de Independência dos Estados Unidos, assim como as Constituições de numerosos países; um texto japonês do século XVI considerado a primeira impressão da história; o jornal de um estudioso veneziano que acompanhou Fernão de Magalhães na sua viagem ao redor do mundo; o original das "Fábulas" de La Fontaine, o primeiro livro publicado nas Filipinas em espanhol e tagalog, a Bíblia de Gutemberg, e umas pinturas rupestres africanas que datam de 8.000 A.C.

Duas regiões do mundo estão particularmente bem representadas:

América Latina e Médio Oriente. Isso deve-se à activa participação da Biblioteca Nacional do Brasil, à biblioteca de Alexandria no Egipto e à Universidade Rei Abdulá da Arábia Saudita.

A estrutura da BDM foi decalcada do projecto de digitalização da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, que começou em 1991 e atualmente contém 11 milhões de documentos em linha.

Os seus responsáveis afirmam que a BDM está sobretudo destinada a investigadores, professores e alunos. Mas a importância que reveste esse sítio vai muito além da incitação ao estudo das novas gerações que vivem num mundo audio-visual.


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Revista Digital de Direito Agrário nº 226 - ABDA



Brasil, 22 de setembro de 2010


Reforma agrária e limitação da propriedade: requisitos para justiça no campo. Entrevista especial com Jacques Alfonsin


Vantagens sociais, políticas e econômicas para a produção agrícola. Esses seriam os pontos positivos trazidos pela reforma agrária no Brasil, junto da limitação da propriedade da rural. "Não havendo limite para a expansão da propriedade da terra, não há limite, igualmente, para o crescimento da pobreza da população sem terra", acrescentou o advogado Jacques Alfonsin na entrevista que concedeu à IHU On-Line por e-mail. Além disso, caso essa limitação não seja colocada em prática, a reforma agrária não passará de uma "mera" hipótese.

Ele analisou, também, os efeitos perversos que a mercantilização da terra provoca em nosso meio-ambiente, destacando que jamais o latifúndio tomou em conta "que, além da relação de pertença do proprietário com o seu bem, o direito de propriedade da terra tem de respeitar o seu destino".

Segundo Alfonsin, há uma desproporção entre as benesses oferecidas pelo Poder Público ao agronegócio, sobretudo ao exportador, comparativamente àquelas destinadas à agricultura familiar. Tal postura reflete uma opção política que "se assemelha ao velho e perverso modelo colonizador que nos oprimiu no passado e ainda deita suas raízes nos dias de hoje".

Jacques Távora Alfonsin é advogado do MST e procurador aposentado do Estado do Rio Grande do Sul. É mestre em Direito, pela Unisinos, onde também foi professor. É membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos e publica, periodicamente, seus artigos nas Notícias do Dia na página do IHU. Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é o contexto histórico do surgimento da propriedade privada da terra?


Jacques Alfonsin – Como o ordenamento jurídico brasileiro ainda conserva muito da sua principal fonte histórica e mais remota, que é a do Direito Romano, o surgimento da propriedade privada da terra também guarda afinidade com o tratamento jurídico que aquele Direito dava a esse mesmo bem. Lá, o direito de usar e abusar da terra, "contanto que a razão e o direito permitissem", desdobrou-se na história, de regra, muito sem razão e pouco ou quase nada de justiça. Cícero, à época em que vigia tal direito, já denunciava os efeitos nefastos que ele geraria.


Para ele, a propriedade privada da terra somente poderia ser respeitada no que bastasse ao trabalho e ao consumo dos seus proprietários. Esse tipo de crítica, além de antecipar, em séculos, a racionalidade e a conveniência do plebiscito agora em campanha no nosso país, constitui evidente censura às características opressoras que o sistema capitalista impôs, mais tarde, e que ainda está em vigor hoje, como se refletisse um processo civilizatório superior e mais humano. O sentido de propriedade privada, então, não seria igual ao da propriedade particular, somente, como hoje conhecemos. Mas seria, isto sim, o de privada de outra serventia, isto é, de que ela não deveria ultrapassar a medida indispensável à satisfação das necessidades vitais das pessoas proprietárias. Isso demonstra que o supérfluo e tudo o que excedesse tal medida, já requereria outro tratamento jurídico.


Não é de se duvidar que tal concepção de direito tenha influenciado Proudhon e Rousseau (Cf.: O que é a propriedade? e Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, respectivamente). O primeiro, quando afirmou que, assim como a terra, também a água, o ar e a luz são coisas comuns não porque inextinguíveis, mas porque indispensáveis. O segundo, quando bradou, referindo-se a quem contrariasse o primeiro homem que, cercando um terreno, falou "isto é meu": "Quantos crimes, guerras, assassínios, quantas misérias não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso, houvesse gritado aos seus semelhantes: Evitais ouvir esse impostor. Estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não é de ninguém". Esse "ninguém", à luz do Direito Moderno, bem poderia ser traduzido como "comum".

IHU On-Line – Qual é a necessidade e a importância de se estabelecer um limite para a propriedade da terra?


Jacques Alfonsin – A necessidade deriva dos efeitos que um direito com potencial de expansão ilimitada pode causar ao povo e à terra. Ao primeiro, pelo fato de que, com a concentração progressiva da propriedade individual sobre esse bem da vida, o seu poder de exclusão diminui progressivamente também a disponibilidade de espaço-terra para a presente e para as futuras gerações. À segunda, pelos danos que a sua exploração predatória já causou, causa e ainda causará ao meio-ambiente, à biodiversidade que a natureza criou em favor do ar, das águas, da flora e da fauna. Daí a importância de se estabelecer um limite para esse poder expansionista e de exclusão que o direito de propriedade tem, por sua própria natureza, não prosseguir escravizando terra e gente.

IHU On-Line – Limitar a propriedade da terra seria um elemento importante para promover a reforma agrária brasileira? Por quê?


Jacques Alfonsin – Sem o estabelecimento de um limite de terra titulada por domínio particular, a reforma agrária tende a se perpetuar, seja como mera hipótese (como já está acontecendo atualmente, tão modestos são os seus resultados), seja como solução efetiva para o problema da mais justa partilha da terra. Não adianta essa reforma se preocupar apenas com os efeitos econômicos e sociais de um determinado tipo inadequado de uso e exploração da terra – aquele que o latifúndio desenvolve, com raras exceções, por exemplo – sem que as causas dessa forma de extensão do espaço físico territorial que ela comporta fiquem imunes à utilidade social e à vigilância pública indispensáveis às garantias devidas, de forma particular, aos direitos humanos fundamentais de alimentação e moradia para todo o povo. Entre tais causas se encontra, justamente, a licença legal indiscriminada concedida a quem, por sua fortuna, não considere nenhum limite legal para aquela extensão.

IHU On-Line – O que mudaria no mapa da produção agrícola brasileira com a limitação da propriedade da terra?


Jacques Alfonsin – A produção agrícola receberia vantagens sociais, políticas, e econômicas. Sociais, porque facilitaria o acesso das pessoas pobres à terra, coisa que, de regra, somente acontece com quem, por já ser proprietário de terra, tem crédito facilitado, dinheiro e, consequentemente, poder de estender a sujeição do seu direito (!) a mais terra; políticas, porque o território do país, melhor partilhado e distribuído entre seus próprios filhos e filhas, teria mais chance de resistir à verdadeira desterritorialização que está sofrendo com o avanço das empresas transnacionais sobre ele, interessadas apenas na terra enquanto mercadoria; econômicas, porque a mudança do destino atualmente prioritário que nossa terra dá ao agronegócio exportador – que prefere mandar para fora daqui o fruto da terra que falta à grande parte do nosso povo – abriria maior possibilidade de um consumo de massa, acessível à maioria, ampliando a tendência atual de a propriedade familiar rural alimentar o povo.

IHU On-Line – Com tantas terras improdutivas no Brasil, como podemos compreender que ainda existam agricultores que não têm onde plantar e viver?


Jacques Alfonsin – Produtivos ou improdutivos os espaços físicos (terra), eles seriam mais do que suficientes para todos, brasileiros e brasileiras, de modo particular àqueles sem terra. A economia capitalista, todavia, só reconhece a necessidade alheia na medida em que ela possa comprar a sua satisfação. Entre os tipos de economia, há o do sempre mais é o melhor (típico do capitalismo), chamado de crematística (do grego, açambarcamento de riquezas por prazer, puramente especulativo, constituindo reserva de valor, indiferente aos efeitos que isso possa causar) e o do sempre garantir o suficiente para todos os membros da comunidade (típico da economia solidária). Ao primeiro, corresponde o chamado produtivismo, uma espécie de exploração da terra indiferente ao futuro dela, mesmo que esse seja a sua morte. Ao segundo, corresponde a produtividade, ou seja, uma espécie de uso desse bem, que preserve todo o potencial de vida que ele comporta. Esse tipo, como acontece com a palavra solo, também traduz mais adequadamente a etimologia da palavra economia (oikos, do grego, casa; nomos, norma, regra). A gente esquece com facilidade que a própria etimologia da palavra solo traz em si a sua finalidade prioritária. Solo tem a mesma raiz de sola, de sal e de sala, como a nos advertir de que a finalidade primeira de sua posse (não necessariamente propriedade) é a preservação da vida e dos meios para que essa se conserve, como a comida e a casa.

IHU On-Line – Qual é a relação que existe entre a criminalização dos movimentos sociais, como o MST, e a demora na realização da reforma agrária?


Jacques Alfonsin – É princípio elementar de qualquer legislação que a todo o direito corresponde a possibilidade, a garantia de sua defesa. Uma das maiores incongruências que a interpretação dada ao nosso ordenamento jurídico é a de que todos os direitos que a pobreza, por si só, atesta como violados (falta de comida ou de casa para ficar com os exemplos mais visíveis) não são só considerados como infringidos.


Então, o país vive esse paradoxo. Não havendo limite para a expansão da propriedade da terra, não há limite, igualmente, para o crescimento da pobreza da população sem terra, exatamente aquilo que a reforma agrária visa remediar, com base, inclusive, na Constituição Federal. Mesmo que, em desespero, como acontece com agricultores sem terra, sejam forçados a apelar para a justiça de mão própria, ocupando terras, isso lhes é imputado como crime.


Entretanto, a pré-exclusão da ilicitude de tais gestos encontra apoio implícito e explícito em mais de uma disposição do Código Civil e do Código Penal. Eu não tenho conhecimento de que algum latifundiário brasileiro, inclusive grileiro, tenha sido denunciado ou condenado criminalmente, por exemplo, pelo fato de interpretar e praticar a seu modo a justiça de mão própria (!), descumprindo com a obrigação de garantir função social ao seu direito de propriedade sobre terra, quando aberrações como essas, por si sós, constituem crime, no mínimo, contra a preservação do meio-ambiente e a economia popular.

IHU On-Line – Qual a importância da participação popular no plebiscito de setembro?


Jacques Alfonsin – Além da pressão política que o plebiscito deve exercer sobre os poderes públicos, ele pode alcançar outros efeitos nada desprezíveis em favor do povo trabalhador e pobre do nosso país. Primeiro, o de se constituir em mais um fator de conscientização e de organização dos movimentos populares, impulsionando antigas e novas ideias-força em favor de novas conquistas traduzidas em efetivas garantias de seus direitos humanos fundamentais; segundo, provar, mais uma vez e de público, em que medida a economia solidária da propriedade familiar rural é muito mais eficaz em favor da alimentação e da moradia do povo, do que a imposta pelo latifúndio, especialmente o do agronegócio exportador; terceiro, ampliar o empoderamento das reivindicações das populações sem terra, dos pequenos proprietários e proprietárias rurais, das comunidades atingidas por barragens, em favor da reforma agrária, atrasada em décadas pela força contrária da Confederação Nacional da Agricultura – CNA e da bancada ruralista no Congresso Nacional.

IHU On-Line – Há uma expectativa de resultado desse plebiscito?


Jacques Alfonsin – O otimismo das organizações empenhadas no plebiscito é muito grande. Intensificando-se a campanha em favor de mais de um milhão e meio de assinaturas (veja-se como proceder no sítio do Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo – FNRA), durante a primeira semana de setembro, já no dia 7 daquele mês espera-se contar com esse número. Há de se convir que, em ano de eleições, isso não é pouca coisa. A pressão popular em favor daquilo do que hoje já é lei, como a da Ficha Limpa, por exemplo, autoriza esperarem-se resultados semelhantes àquela iniciativa, condizentes com as urgências que o combate à injustiça social reinante no campo está a exigir. 

IHU On-Line – Quais são os maiores disparates na concentração de terras no Brasil?


Jacques Alfonsin – As estatísticas que refletem o último censo agropecuário do país demonstram distorções inaceitáveis e, para nosso pesar, refletindo históricas injustiças. Além dos efeitos perversos que a mercantilização da terra provoca ao meio-ambiente do país, o latifúndio jamais levou em consideração que, além da relação de pertença do proprietário com o seu bem, o direito de propriedade da terra tem de respeitar o seu destino. Se a pertença permite ao titular dela usar e gozar da terra própria, isso não pode ir ao ponto de, pelo destino dado aos seus frutos, tornarem-se nulos todos os efeitos jurídicos que a soberania do povo impõe. A terra não é somente dos proprietários. Como fonte de vida para todos, a desigualdade que impera hoje, medida entre um pequeno número de proprietários (pouco mais de 02 %) titulando mais de 40% do território brasileiro, não só escandaliza como gera em todo o povo sem terra uma justificada indignação ética, por si só legitimadora, até, de desobediência civil.

IHU On-Line – Por que há tanto incentivo ao agronegócio quando a maior parte da produção de alimentos o Brasil é feita pela agricultura familiar?


Jacques Alfonsin – As forças econômicas e políticas que os latifundiários têm, com influência direta sobre o Poder Público e a mídia, criam todo um ambiente ideológico em seu favor, a ponto de neutralizar pressões sociais contrárias que, entretanto, representam o melhor para o povo e a terra. Se a grande propriedade rural não fosse danosa ao povo e à terra, a Constituição Federal não teria previsto um capítulo inteiro dos seus dispositivos dedicados à reforma agrária. Um exemplo do mal que esse tipo de poder e influência tem pode ser dado pelas sucessivas CPMIs que são criadas no Congresso Nacional, as quais, mesmo não obtendo prova das suspeitas que ele levanta contra o MST e as organizações que o apóiam. Ainda que pouco ou nada encontrem de ilicitude nessas iniciativas, obtém os efeitos perversos que as inspiram por que condenam, de fato, toda a rebeldia justificada das populações sem terra, através dos meios de comunicação social que manipulam. A desproporção existente entre as benesses que o Poder Público oferece ao agronegócio, especialmente o exportador, quando comparadas com o que merece a propriedade familiar, sinaliza uma opção política que, guardadas as proporções históricas, se assemelha ao velho e perverso modelo colonizador que nos oprimiu no passado e ainda deita suas raízes nos dias de hoje.

IHU On-Line – Quais são os maiores problemas ligados ao latifúndio?


Jacques Alfonsin – Se não fossem suficientes aqueles já apontados nas respostas às perguntas anteriores, um dos maiores é o da tradição cultural que ele impõe, especialmente ao povo pobre menos conscientizado, sobre a herança escravagista e opressora que marcou a sua implantação no nosso país. A senzala ainda remanesce hoje na forma do trabalho escravo, cuja abolição por sinal, projetada há quase uma década, está barrada no Congresso Nacional, justamente, por ter sido a política dos titulares dessa forma atrasada e cruel de concepção da terra e da gente da terra. Ninguém ignora o fato de que, onde predomina o latifúndio brasileiro, predomina também o atraso, o analfabetismo e a indigência de quantas pessoas nele trabalham ou dele dependem, direta ou indiretamente.

IHU On-Line – O senhor acha a medida de módulos fiscais justa? Por que ela varia tanto de Estado para Estado?


Jacques Alfonsin – Os módulos fiscais não passam de ser a régua física do tamanho mais adequado de uso e exploração da terra. A natureza, justamente por sua biodiversidade, abre um leque incomensurável de possibilidades abertas ao uso mais razoável do solo. Assim, não é possível se comparar a forma topográfica e de clima da serra gaúcha com a da campanha, por exemplo. Tudo bem como o próprio Estatuto da Terra dispôs: uma terra apropriada à produção de hortifrutigranjeiros não pode ter as mesmas características e o mesmo tamanho de uma terra onde se cria o gado. Daí que o Grau de Eficiência na Exploração – GEE, comparado em cada terra rural do país, titulada ou não, como o Grau de Utilização da Terra – GUT, facilita a qualquer agricultor ou criador de gado, usar da melhor forma possível o seu imóvel, inclusive no que se refere à sua produção e função social. Esses graus, como se sabe, estão congelados, no que se refere à sua produtividade, desde a década de 1970 do século passado e, por incrível que possa parecer, a oposição latifundiária encastelada no Congresso Nacional não permite a sua revisão, prevista como devendo ser feita periodicamente no próprio Estatuto da Terra. Tudo deve ficar como está, como se o uso e a exploração da terra, daquele período para cá, não tivesse se beneficiado de todos os progressos agronômicos, de todas as técnicas agrícolas de melhor amanho desse bem. Para quem tanto brada contra as populações sem terra por desobedecerem lei (!) aí está uma prova de que, dependendo do lado desta desobediência, ela deve passar a ser considerada virtude.

Por Redação IHU On-Line, 16.08.2010

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

ABAIXO-ASSINADO ONLINE - CAMPANHA NACIONAL PELO LIMITE DA PROPRIEDADE DA TERRA - 12 09 2010



Muita gente tem muito interesse em participar da Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra, mas infelizmente não teve acesso as urnas do plebiscito. Em apoio a campanha e para facilitar a  participação, a Rede FALE está divulgando link do abaixo-assinado no formato online.
ATENÇÃO: Se você já assinou o abaixo-assinado impresso, não assine este.Cada pessoa deve assinar apenas uma vez, seja o abaixo-assinado on-line ou impresso.
TEXTO DO ABAIXO- ASSINADO
Eu apoio emenda constitucional para inserir inciso V ao artigo 186 da Constituição Federal, estabelecendo que para cumprir a Função Social a Propriedade rural terá limite máximo de 35 módulos fiscais, como forma de garantir a democratização do acesso à terra e a soberania territorial e alimentar.
JUSTIFICAÇÃO
Para garantir efetivamente a função social da propriedade rural como determina a ConstituiçãoFederal em seus artigos V, XXIII e 186, é necessário que se estabeleça um limite de extensão para os imóveis rurais.
A realidade é que o Brasil apresenta um dos maiores índices de concentração fundiária do mundo: 1,5% dos 5 milhões de imóveis rurais cadastrados concentra 52% de toda a área , no outro extremo tem-se que 98,50% do total de imóveis cadastrados, detém somente 48%.Diante deste quadro de grave desigualdade, não se pode admitir que imensas propriedades rurais possam pertencer a um único dono, impedindo o acesso democrático à terra que é um bem natural, coletivo, porém limitado.
Como os recursos naturais devem estar disponíveis para todos, sob pena de não se respeitar sua função social, não é compatível com a Constituição que uma insignificante minoria tenha em seu poder a grande maioria das melhores terras do país em prejuízo de tantos brasileiros que são forçados a abandonar seu habitat natural.
A limitação do tamanho da propriedade rural também se justifica como um estímulo ao aumento da produção de alimentos, da preservação dos recursos naturais, do emprego rural e da fixação do homem no campo, além de impedir ainda maiores ofensas à soberania territorial brasileira.
A proposta não ofende nenhum princípio constitucional, pelo contrário, se adeqüa perfeitamente ao que estabelece a Constituição ( art. 3º) quando inclui entre os objetivos da República Brasileira a construção de uma sociedade justa e solidária e a redução das desigualdades sociais.
Esta não deve ser uma preocupação apenas dos que vivem do campo, porém uma luta de toda a população em favor da efetividade dos princípios constitucionais e do aprimoramento da democracia em nosso País.
Por isso eu apoio a Campanha Nacional pelo limite da propriedade da terra, em 35 módulos fiscais, manifestando a minha vontade como cidadão de que o Congresso Nacional venha a aprovar, sem demora, emenda constitucional que estabeleça esta limitação como avanço imprescindível da sociedade brasileira.
Se você quiser divulgar o abaixo-assinado no Twitter: Twitar clicando aqui
Caio César Sousa Marçal -
Sec. De Mobilização da Rede FALE -
LEVANTE A SUA VOZ CONTRA A INJUSTIÇA
www.fale.org.br 
Cel: (031) 93086548
Um abraço terno. Gilvander Moreira, frei Carmelita.
e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
www.gilvander.org.br
www.twitter.com/gilvanderluis
skype: gilvander.moreira


sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Limitar a propriedade da terra no Brasil: uma questão de Direito!

Abaixo um texto interessante que recebi no e-mail. Ele ajuda a fundamentar aquela discussão sobre a "questão agrária" e o "direito agrário".


Leiam!!!

http://www.portaldomar.org.br/blog/portaldomar-blog/categoria/efetivando-direitos/limitar-a-propriedade-da-terra-no-brasil-uma-questao-de-direito

Limitar a propriedade da terra no Brasil: uma questão de Direito!

Aspectos jurídicos para limitação da propriedade privada sobre bens imóveis no Brasil[1]

Cláudio Silva Filho[2]


O PÃO DO POVO
A justiça é o pão do povo.
Às vezes bastante, às vezes pouca.
Às vezes de gosto bom, às vezes de gosto ruim.
Quando o pão é pouco, há fome.
Quando o pão é ruim, há descontentamento.
Quem prepara o outro pão?
Assim como o outro pão
Deve o pão da justiça
Ser preparado pelo povo.
Brecht

Está em curso no Brasil a "Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra", promovida pelo Fórum Nacional de Reforma Agrária e Justiça no Campo e abraçada por diversas organizações sociais, associações civis, entidades de classe, do campo e da cidade. Um dos métodos da Campanha é a realização de um Plebiscito Popular, uma consulta ao povo sobre o limite da propriedade da terra.
Antes de analisarmos alguns aspectos jurídicos relacionados à limitação da propriedade da terra no Brasil, podemos perguntar: por que discutir essa questão atualmente?
Os dados do último Censo Agropecuário[3] do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam que "a concentração na distribuição de terras permaneceu praticamente inalterada nos últimos vinte anos..." (IBGE, Informativo para Imprensa n° 124).
Vamos apontar, de forma sintética, os principais dados do Censo Agropecuário de 2006:
Concentração fundiária
  • Estabelecimentos com mais de 1.000 hectares ocupam 43% da área agricultável no país, enquanto aqueles com menos de 10 hectares ocupavam, apenas, 2,7% da área total;
  • 47% das propriedades tem menos de 10 hectares. Enquanto aqueles com mais de 1.000 hectares representavam em torno de 1% do total;
  • Ou seja, 1% dos proprietários detém 43% da área agricultável no Brasil.
Meio ambiente
  • Apenas 1,8% dos estabelecimentos agropecuários praticam agricultura orgânica;
  • Diminuição de áreas de florestas e de pastagens naturais em estabelecimentos agropecuários: Redução de 12,1 milhões de hectares (-11%) nas áreas com matas e florestas contidas em estabelecimentos agropecuários e diminuição de 20,7 milhões de hectares (26,6%) nas áreas de pastagens naturais.
Educação e assistência técnica
  • Mais de 80% dos produtores agropecuários são analfabetos ou não concluíram ensino fundamental: Mulheres analfabetas chega a 45,7%, homens analfabetos são 38,1%; apenas 3% dos camponeses possuem nível superior;
  • Orientação técnica chega a apenas 22% dos estabelecimentos, sendo mais comum nas médias e grandes propriedades.
Trabalho
  • Nos pequenos estabelecimentos estão quase 85% dos trabalhadores/as rurais;
  • Mesmo que cada um deles gere poucos postos de trabalho, os pequenos estabelecimentos (área inferior a 200 ha) utilizam 12,6 vezes mais trabalhadores/as por hectare que os médios (área entre 200 e inferior a 2.000 ha) e 45,6 vezes mais que os grandes estabelecimentos (área superior a 2.000 ha).
Porém, o Censo não apreende aspectos fundamentais para compreensão da questão agrária no Brasil. A extrema concentração fundiária no país tem por conseqüências, marcas que tornam a discussão ainda mais pertinente. Além dos dados oficiais, vejamos alguns levantados pela Comissão Pastoral da Terra, correspondente ao período de 1985 a 2009, que demostram a violência do latifúndio. Também apresentados de forma sintética:
  • 1.546 trabalhadores/as rurais foram assassinados em todo o Brasil em conflitos relacionados ao acesso à terra;
  • Das 1.163 ocorrência relacionadas a esses homicídios, 85 foram julgados, com condenação de 20 mandantes e 71 executores;
  • 13.815 famílias despejadas, em ações possessórios ou de forma completamente arbitrária;
  • 2.438 ocorrências de trabalho escravo, sendo 163.000 trabalhadores envolvidos.
Diante dessas constatações, que fogem à mera análise de aspectos econômicos e produtivos, a discussão sobre a limitação da propriedade ganha extrema relevância social e política.       Ou seja, os dados oficiais e o levantamento da CPT demonstram que nos últimos 20 anos, permaneceu praticamente inalterada a concentração fundiária no Brasil, com suas conseqüências danosas ao meio ambiente, precarização de relações de trabalho, analfabetismo e conflitos sociais.
Para cada um dos elementos apresentados (concentração fundiária, meio ambiente, trabalho,  educação e assistência técnica e violência) poderíamos justificar a necessidade de se limitar a propriedade da terra e suas conseqüências para toda sociedade brasileira.          Porém, procuraremos analisar a limitação da propriedade da terra do vista jurídico e da efetivação dos Direitos Fundamentais.

O desenvolvimento da legislação relacionada à reforma agrária no Brasil: da colonização à Lei Terras
Com o início da colonização, o Brasil se insere na divisão internacional do trabalho, cumprindo um papel de fornecer bens primários para o mercado europeu. O território brasileiro passa a ser juridicamente propriedade da Coroa Portuguesa. Não há autonomia política e a produção legislativa se dá de forma externa.
Para a adequada exploração das terras brasileiras, a Coroa aplica a legislação sobre terras vigente em Portugal. Essa legislação se baseava num regime de concessão de uso, fundada em institutos oriundos do feudalismo, mas que ainda tinha aplicação no modo de produção capitalista.
Esse regime de concessões formava um sistema sesmarial (concessão de sesmarias), que caracterizou o início da exploração do litoral brasileiro. Após os primeiros anos de exploração, o sistema de sesmarias se mostrou ineficaz, sendo promovida uma distribuição das terras da Coroa em imensas glebas, para grandes investidores português. As chamadas capitanias hereditárias caracterizavam-se pela transmissão da posse de forma hereditária. O domínio permanecia, porém, da Coroa portuguesa.
O Regime de Concessão de Uso findou-se com a Resolução nº 76 de 17 de julho de 1822. Com o fim do sistema de sesmarias há um período de vácuo legislativo sobre as terras. A Constituição imperial brasileira de 1824 é omissa em relação à questão fundiária, mas faz a seguinte referência, no art. 179:
"XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação."
Em 1850 é promulgada a lei n° 601, a "Lei de Terras", que instituiu a propriedade privada sobre bens imóveis. Essa lei afirma que "Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra." (Art. 1º). A lei n° 601/1850 é regulamentada pelo Decreto nº 1.318/1854 e vigorou por mais de um século, sendo recepcionada pelas constituições de 1891, 1934, 1937 e 1946, e esteve em conformação com o Código Civil de 1916.
Podemos afirmar que a Lei de Terras é o gérmen da concentrada estrutura fundiária no Brasil. Atendendo aos interesses do pleno desenvolvimento do capitalismo sobre a agricultora, essa norma, particularmente no dispositivo mencionado, negou a posse tradicionalmente exercida pelos povos que aqui viviam, ainda antes da colonização, bem como de populações sertanejas, camponeses e escravos libertos.
A Lei de Terras sobrepõe a propriedade, baseada na aquisição por contrato de compra e venda, sobre a posse, negando qualquer prescrição aquisitiva, por maior que fosse o lapso temporal, ou mesmo exercida de forma secular.
Comparando a Lei de Terras brasileira com as legislações sobre terras de outros países capitalistas, o Brasil dá um passo atrás para o desenvolvimento da agricultora. Países capitalistas como Estados Unidos da América e diversos países europeus, realizavam reformas na estrutura agrária. Alguns estabeleceram limites no tamanho da propriedade rural. Os objetivos dessas reformas agrárias eram, basicamente: ampliação da produção agrícola para o abastecimento do mercado interno, formação de uma população de consumidores dos produtos industrializados e a ocupação do território nacional.
O Brasil, mesmo nos marcos do desenvolvimento capitalista da agricultura, manteve uma estrutura fundiária concentradora, dificultando ou negando a regularização de posses tradicionais, posses por moradia ou por trabalho. O direito à propriedade da terra, desde a colonização, já era impedido para a maioria da população brasileira. Após um longo período, um novo marco normativo, procurará "modernizar" a estrutura fundiário no Brasil: o Estatuto da Terra.
Estatuto da Terra e a modernização conservadora

O Estatuto da Terra, lei n° 4.504 de 1964, quando promulgado, foi enunciado como indutor das relações de produção no campo e do "desenvolvimento econômico do País" (como é explicitamente citado em seu artigo 16). É importante lembrar que a promulgação do Estatuto da Terra se deu em regime de exceção, durante uma ditadura cívico-militar. À época, o Congresso encontrava-se em "recesso forçado". Além disso, numa análise histórico-política, sabe-se que essa lei tinha por objetivo a desarticulação dos movimentos sociais camponeses, principalmente as ligas camponesas do nordeste.
O Estatuto da Terra, explicita seu objetivo:
"Art. 16. A Reforma Agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, a propriedade rural e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do País, com a gradual extinção do minifúndio e do latifúndio."
Essa lei agrária, traz importantes definições para compreensão do limite da propriedade privada no Brasil. O minifúndio é a propriedade rural com área inferior ao módulo rural[4]. Já o latifúndio se classifica como latifúndio por exploração, imóvel rural com área entre 1 e 600 módulos rurais, com exploração inadequada, em relação aos índices médios da região (estabelecidos pelo órgão competente) e latifúndio por extensão, propriedade com área superior a 600 módulos rurais, independente da produção.
O Estatuto da Terra estabelece como paradigma de desenvolvimento da produção e das relações sociais no campo a empresa rural, entendida como o imóvel de área entre 1 e 600 módulos rurais com aproveitamento dos recursos naturais e preservação ambiental, racionalidade na produção de acordo com os padrões regionais e que cumpra adequadamente com a legislação trabalhista.
Conforme o já citado art. 16, tem por objetivo a eliminação de duas formas de propriedade rural: o minifúndio e o latifúndio. Assim, é estabelecido um limite para propriedade de terras no Brasil, seja por uma extensão diminuta (o minifúndio) ou pela imensidão da propriedade (o latifúndio). Ou seja, o limite da terra no Brasil, segundo o Estatuto da Terra é de 600 módulos rurais. Os fundamentos disso estão no desenvolvimento e modernização das relações de produção no campo, em bases da economia capitalista.
Vale destacar: não há nada de absurdo, seja do ponto de vista econômico ou jurídico, a limitação da propriedade da terra. Ao contrário, essa limitação baseava-se, até a Lei n° 4.504/1964, em aspectos estritamente técnicos e de produção racional.
Em 1988, no bojo de intensas mobilizações sociais, a Constituição Federal dedica um capítulo sobre a "Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária". Se a Constituição retrocede, em alguns aspectos, ao próprio Estatuto da Terra, analisada de forma sistemática e teleológica, a Carta Constitucional nos fornece fundamentos consistentes para limitação da propriedade da terra no Brasil.
Fundamentos constitucionais para limitação da propriedade da terra

São objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da Constituição Federal)[5]: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Afirma a Constituição que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º).
Sabemos que os dispositivos constitucionais não são meros enunciados programáticos. Ao contrário, mesmo as normas principiológicas devem ser concretizadas materialmente e fundamentar a aplicação de outros dispositivos constitucionais e infraconstitucionais.
Confrontando os artigos mencionados com os dados apresentados no início do texto, podemos inferir que a manutenção da estrutura fundiária brasileira confronta, inconciliavelmente, com os ditamos constitucionais.
A limitação da propriedade da terra no Brasil[6] terá como conseqüência imediata, uma melhor redistribuição de terras no Brasil, buscando a construção de uma sociedade mais livre, justa e solidária, garantindo as bases para um desenvolvimento nacional. Uma adequada distribuição das terras, certamente irá corroborar para  erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais. Além de buscar promoção do bem de todos.
Certamente, delimitar a propriedade rural e redistribuí-las de forma eqüitativa e justa é considerar os brasileiros iguais perante o direito. Para o camponês, não há direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança, sem o direito à terra.
A ordem econômica brasileira, segundo a Constituição, é fundamentada, dentre outros princípios, na soberania nacional, redução das desigualdades regionais e sociais e na  função social da propriedade. Impor um limite à propriedade da terra seria um passo decisivo para efetivação desses objetivos.
Qual a destinação da área que exceder o limite da propriedade da terra?

A constituição já estabelece a destinação dos imóveis rurais que não cumprem sua função social. A propriedade rural deve atender, simultaneamente: "I - aproveitamento racional e adequado; II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores" (art. 186). Afirma ainda, que "compete à União cumprir a desapropriação para fins de reforma agrária, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão" (art. 184).
Aqui, pedimos para abrir um breve parêntese. Infelizmente, aplicação do art. 186 não é plenamente efetivada. Diz o art. 185 que "são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra; II - a propriedade produtiva." Assim, segundo a interpretação predominante, mesmo descumprindo os incisos II, III e IV do art. 186, a propriedade não será desapropriada para fins de reforma agrária se for declarada produtiva. Ocorre, que os índices que mensuram a produtividade são do Censo Agropecuário de 1975.
A Lei 8.629/1993, a chamada "Lei da Reforma Agrária", que regulamenta os dispositivos da Constituição, afirma:
Artigo 11 - Os parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade serão ajustados, periodicamente, de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico da agricultura e o desenvolvimento regional, pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, ouvido o Conselho Nacional de Política Agrícola.

Fechamos nosso parêntese deixando uma pergunta, porque nunca houve a atualização dos índices de produtividade, permanecendo os padrões de 1975?
Efetivar a reforma agrária, dentro dos requisitos e parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 é efetivar diversos direitos e garantias individuais e coletivos e concretizar princípios de ordem econômica e social.
No Ceará, limitar a propriedade, segundo a proposta da Campanha, em 35 módulos rurais, é atingir 0,1% das propriedade rurais. Corresponde a 202 latifúndio, mas que ocupam 10% do território do estado. No Brasil, serão atingidas 2% das propriedades, que se espalham sobre 39,4% do nosso país.
Limitar a propriedade da terra e destiná-la para reforma agrária será um passo histórico para o desenvolvimento do Brasil e para efetivação, de forma concreta, dos Direitos Fundamentais – uma conquista do povo brasileiro.


Confissões do Latifúndio Pedro Casaldáliga
(Bispo Jubilado de São Felix do Araguaia, MT)
Por onde passei,
plantei
a cerca farpada,
plantei a queimada.
Por onde passei,
plantei
a morte matada.
Por onde passei,
matei
a tribo calada,
a roça suada,
a terra esperada...
Por onde passei,
tendo tudo em lei,
eu plantei o nada.



[1] . Texto dedicado aos trabalhadores e trabalhadoras acampados na Fazenda Guaribas, em Itapipoca-CE, que aguardam há 7 anos, em baixo de lona preta, o cumprimento da lei. Segunda versão do texto. As alterações dessa versão são contribuições da crítica de Camila Garcia, jornalista e solidária a luta do MST, dos povos do campo e do mar.
[2] . Advogado do Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra do Ceará e integrante da Rede Nacional de Advogados/as Populares. Especializando em Economia e Desenvolvimento Agrária (UFES-ENFF). Militante da Consulta Popular.
[3] . O Censo Agropecuário do IBGE é realizado, aproximadamente, em cada 10 anos. O último foi concluído em 2006, mas seus dados divulgados apenas em 2009. Segundo a avaliação de movimentos sociais do campo, essa demora na divulgação das informações está relacionado ao fato dos dados contrariarem a propagando do agronegócio.
[4] O módulo rural (ou fiscal ou familiar) definido pelo próprio Estatuto da Terra no art. 4º: II - "Propriedade Familiar", o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros; III - "Módulo Rural", a área fixada nos termos do inciso anterior. É importante destacar que o módulo rural varia de acordo com as peculiaridades regionais.
[5] A Constituição Federal de 1988 deve ser analisado no contexto da redemocratização político-institucional do país e no processo de intensas lutas sociais em finais da década de 1980. Muitas das reivindicações sociais, populares e trabalhistas foram escritas na Constituição. Porém, passados mais de 20 anos, ainda não há a concretização material de diversas demandas positivas na Carta Constitucional.
[6] No exemplo da Campanha pelo limite da propriedade da terra, a sugestão é que o limite máximo da propriedades no Brasil seja de 35 módulos rurais. Para se ter uma idéia, o módulo máximo no Ceará é 90 hectares e o menor 5 hectares. Se a propriedade da terra fosse limitada em 35 módulos, apenas 202 propriedades seriam atingidas no Ceará. Mesmo assim, correspondem a 10% da área agricultável do estado.